COMO A TECNOLOGIA E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODEM AJUDAR A REVOLUCIONAR A EDUCAÇÃO?
É uma manhã de novembro de 2027. Um professor que dá aulas para o quarto ano está ajustando as persianas em sua sala de aula quando, de repente, percebe o quão pouco a sala mudou nos últimos sete anos. Sua sala de aula tem grandes mesas redondas e os desenhos dos estudantes estão espalhados pela parede. É o velho e bagunçado ambiente de aprendizado.
Tem também as mesmas câmeras de vídeo no teto, microfones nas mesas dos alunos e uma lousa virtual. Ao lado do professor, um aparelho de Inteligência Artificial (IA) que serve como professor assistente. Uma grande parcela do que o professor entende sobre os alunos se deve ao auxílio desta tecnologia. A IA fornece os dados e a análise para construir um novo tipo de educação. Mas, o trabalho do professor para conduzir a classe se mantém praticamente o mesmo.
Este aparelho de IA faz avaliações contínuas dos estudantes baseadas em performances diárias de cada aluno e de sua participação em sala de aula. Não há mais necessidade das estressantes e subjetivas provas que não conseguem avaliar o aluno de forma satisfatória.
RASTREAMENTO OCULAR E RECONHECIMENTO DE VOZ
A principal função da IA é construir e aplicar modelos de aprendizado para cada aluno baseados em uma combinação de dados coletados com o tempo. Para isso, são usadas ferramentas como o reconhecimento de voz, que analisa o que cada estudante diz durante as atividades coletivas e o rastreamento ocular, para identificar o foco e o engajamento dos alunos. Com isso é possível monitorar o progresso individual de cada aluno, diagnosticando as emoções do estudante ao realizar cada tarefa e para saber qual delas o motiva mais. Os estudantes e pais têm acesso a essa interface para acompanhar e participar do progresso dos alunos em diferentes áreas. Isso significa que o histórico escolar também está gravado e a necessidade de testes nacionais e internacionais se tornaria algo do passado.
A FICÇÃO TORNA-SE REALIDADE
Pode parecer uma fantasia, mas muito disso é realidade quando se pensa que a tecnologia e os entendimentos necessários já existem. Enfrentamos muitos problemas quando estamos ensinando e aprendendo. Problemas com falta de professores, falta de especialização, além da dificuldade que temos para entender mudanças na dinâmica do mercado de trabalho. A Inteligência Artificial, que pode ser vista como uma das causas dessas mudanças, paradoxalmente, pode também nos ajudar a manter as pessoas aprendendo ao longo da vida.
Acredito que em um futuro próximo a IA não substituirá a função de um professor, mas na realidade, irá ajudá-lo a entender as reais necessidades de seus alunos. Também fará com que as próprias crianças consigam entender a si mesmas. Isso pode acontecer em diferentes situações, por exemplo, quando dois alunos com características e habilidades diferentes vão desempenhar a mesma tarefa.
Como professora seria muito útil eu conhecer as diferenças entre estes alunos. Eu gostaria de poder dar uma atenção diferenciada para cada um deles. Para mim é aí que a IA entra. Ela ajuda a desconstruir o aprendizado. Essa é a pesquisa que eu tenho realizado nos últimos anos. É a mesma coisa que escolher vários animais, como macaco, elefante, cachorro, peixe, e julgar quem é o melhor animal por uma única atividade. Dizemos que para tentar fazer uma seleção justa vamos aplicar o mesmo teste para todos: vamos ver quem consegue escalar uma árvore, mas nós não somos todos os mesmos, nem temos as mesmas habilidades. Esse tipo de teste limita a avaliação sobre o conhecimento que cada aluno tem e não consegue avaliar diversas habilidades individuais.
Ao falar em IA, logo se pensa em tecnologia e inovação, mas ela é muito mais complexa do que isso, ela é uma ciência de aprendizado interdisciplinar que mistura temas como psicologia, filosofia, linguística, ciência da computação e programação. Para que ela possa auxiliar a educação é preciso entender o que é e como funciona o aprendizado. A partir disso é possível construir sistemas que ajudem durante o processo.
FIM DAS ESTRESSANTES PROVAS
Os estudos sobre a interação entre Inteligência Artificial e educação tem como objetivo fazer a IA coletar dados dinâmicos e atualizados sobre o desempenho de cada um. Através do cruzamento desses dados é possível criar um perfil que mostrará mais sobre cada um enquanto participam das atividades, sejam eles professores ou estudantes.
Um outro objetivo é fazer com que não seja mais preciso aplicar testes e provas estressantes, que as crianças ficam ansiosas e ainda são caros para serem aplicados. Em 2005, foi realizado uma avaliação pela PwC, empresa de auditoria e consultoria tributária, em que se estimou que o custo do sistema de avaliações na Inglaterra girava em torno de 630 milhões de libras por ano. Em 2017, calculando a inflação no período, se chega perto de 1 bilhão de libras.
IA – PESQUISANDO DIFICULDADES DO TRABALHO EM GRUPO
Muitos sistemas que utilizam a análise individual já estão em fases de teste ou já começaram a ser aplicados. É o caso do software Ecolab, que já é utilizado há mais de dez anos em sala de aula. Ele consegue rastrear o progresso de alguém que está trabalhando com o software. Além disso, percebe o grau de dificuldade que um estudante teve e qual a ajuda necessária para ele aprender. Dessa forma é possível refinar o aprendizado e fazer sugestões de exercícios específicos focando nas dificuldade de cada um. Com o software é mais fácil entender o quanto a criança conhece de si mesma e o quanto ela consegue desenvolver habilidades cognitivas. Com isso o software prevê e indica o nível certo de apoio que os professores darão para cada aluno.
Em uma pesquisa em andamento realizada por mim e meus colegas da UCL, foram colocados três alunos trabalhando de forma colaborativa para resolver um problema. Foram conectados sensores eletrônicos nas mãos dos três alunos para rastrear o que cada um fez. Também foram usados rastreadores oculares para analisar onde estão focando. E existem ainda dois botões que são chamados de “botões de sentimento” pela equipe. Um para quando a pessoa se sente positiva e acha que está conseguindo progredir na tarefa, o outro para quando a pessoa está frustrada e sentindo que precisa de algum auxílio. Estamos também tentando capturar as emoções das pessoas enquanto elas realizam a tarefa. Isto tudo nos dará uma grande variedade de informações coletadas. O objetivo final é entender mais sobre o processo e dificuldades das pessoas em trabalharem colaborativamente.
SUBSTITUINDO AVALIADORES, AUXILIANDO PROFESSORES
Temos um projeto associado a uma empresa inglesa, Third Space Learning, de reforço individual para alunos do ensino primário. A empresa é especializada em dar aulas para estudantes com dificuldades em matemática. O sistema conecta o aluno e o professor através de um quadro branco e um link de áudio.
A empresa tem problema com o pequeno número de professores disponíveis. Além disso, o custo do programa é caro e nem todos podem pagar. Provavelmente, as pessoas que podem contratá-lo são as pessoas que menos precisam. Então, como fazer uma tutoria individualizada que a população em geral possa ter acesso?
Não seria bom oferecer esse programa de tutoria individualizada para todo mundo que estiver com dificuldades? Ou para estimular os alunos que vão bem? Eu já fui uma professora secundarista e sei a dificuldade que é suprir as necessidades de todos os alunos. Algumas crianças vão bem, outras têm dificuldades. Como você faz para equiparar as necessidades diferentes de cada um?
O primeiro passo a ser feito é garantir que o ensino seja de qualidade. Esse é um problema para a empresa. Os tutores são pessoas do mundo todo. Sejam pessoas especializadas da área, ou alguém que quer complementar sua renda. Isso faz com que o programa seja mais acessível, mas se os professores não estiverem atendendo as necessidades dos estudantes, o programa não estará funcionando.
Para controlar a qualidade de ensino, a empresa tem que contratar avaliadores para que eles possam ver e avaliar o trabalho de cada tutor pelo menos uma vez por semana para garantir que o que é ensinado pelos professores é satisfatório. Mas o custo com esses avaliadores encarece o produto final.
O que estamos fazendo é criar um processo da IA que avalie as aulas desse tutor automaticamente. Isso faz a tutoria da empresa acessível para as pessoas. O custo da aula reduz muito se eles não precisam de todos esses avaliadores humanos. Ao acompanhar a aula, a IA gera um outro benefício: ela consegue analisar quais são os pontos fortes do tutor e quais os pontos fracos. Com isso a IA oferece a oportunidade de um aprimoramento profissional para os professores do programa, que saberão em que áreas precisam melhorar. O grande trunfo da IA na educação não é sobre substituir o professor, mas sim ajudá-lo a tornar suas aulas mais eficientes.
PERIGO: MAL USO DE DADOS PESSOAIS DA IA
A plateia questionou se a IA ao processar os dados pessoais obtidos através da análise de comportamento individual em sala de aula não estaria cometendo uma invasão de privacidade. Ou pior, se estes dados não poderiam ser utilizados indevidamente de forma a manipular o comportamento das pessoas.
Com a IA monitorando todo o processo de educação, tendo dados sobre o que estimula e motiva o estudante, a base de dados pessoais armazenada realmente será maior e mais detalhada. É preciso realizar uma discussão sobre como usar essa tecnologia. Não apenas sobre os dados pessoais, que são muito importantes, mas também sobre a ética da IA. Deve-se ter responsabilidade. O problema é que muitas companhias não precisam passar por um comitê de ética e podem fazer todas essas coisas. O que precisamos fazer então é educar as pessoas sobre a IA para que elas entendam o que essa tecnologia pode e não pode; deve e não deve fazer. Se não pudermos fazer isso com seriedade e efetividade eu acredito então que deixarei de ser tão otimista quanto a utilização e o futuro da IA na educação.
Resumo da palestra da Pesquisadora Rose Luckin apresentada recentemente na Inglaterra, na programação da LEVERHULME CENTRE FOR THE FUTURE OF INTELLIGENCE – com sede na Universidade de Cambridge.
Rose Luckin desenvolve e escreve sobre a Ciência da Aprendizagem, Tecnologia da Educação e Inteligência Artificial na Educação (IAEd) há mais de 20 anos. A sua pesquisa explora como melhorar a participação dos professores e alunos no uso das tecnologias.
Membro dos conselhos Welsh Assembly’s Successful Digital Futures e BECTA (The British Educational Communications and Technology Agency), fundadora do Research Advisory Group, consultora do centros de pesquisas de vários países sobre tecnologias da educação.
Colaboradora internacional: Natalie Iacovelli
Compilação da palestra: Rafael Dall’Anese
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